“O problema para um fotógrafo é que quando ele vê alguma coisa, não deve esquecer que é sempre na sequência uma máquina que registra e que transforma.”
(WINOGRAND, 1985)
Muitas dúvidas presentes em fotógrafos iniciantes estão relacionadas ao ato de editar, uma vez que o processo de edição pode parecer um falseamento da realidade captada pela câmera.
Estamos tão acostumados com diversos equipamentos facilitando o nosso cotidiano que não pensamos no funcionamento deles de uma forma lógica, e sim, como se fossem onipotentes, quase mágicos. Assim, é natural atribuir à câmera uma autoridade maior do que ela verdadeiramente possui.
“Na realidade, porém, as cores são tão teóricas quanto o preto e branco. O verde do bosque fotografado é imagem do conceito “verde”, tal como foi elaborado por determinada teoria química. O aparelho foi programado para transcodificar tal conceito em imagem.
(…)
O que vale para as cores vale, igualmente, para todos os elementos da imagem. São todos eles, conceitos transcodificados que pretendem ser impressões automáticas do mundo lá fora.” (FLUSSER, Filosofia da Caixa Preta).
Ao mostrar parte do funcionamento de uma câmera, VILÉM FLUSSER evidencia que não há mágica no processo de captação da imagem. Logo, não há espelhamento perfeito entre a realidade presenciada pelo fotógrafo e a imagem captada.
Por mais que os avanços tecnológicos tenham facilitado a vida do fotógrafo, o aparelho continua sendo um transcodificador, agora por meio digital, e necessitando de um especialista que faça muito mais do que apertar um botão.
O fotógrafo PETER EASTWAY relaciona a etapa de pós-produção ao momento de transformar a imagem de forma que o público sinta o que ele sentiu ao vê-la de perto, no momento em que a foto foi feita.
Desta observação podemos extrair duas possibilidades de edição: dar ao público a sensação de deslumbramento que estar presente naquele momento proporcionou ao fotógrafo ou recuperar os aspectos da imagem que ele viu e que a câmera não conseguiu captar plenamente.
A primeira forma, mais subjetiva, mistura o que ele viu com o que ele sentiu. A segunda, mais objetiva, foca em transmitir da forma mais fiel possível o que ele viu.
Nenhuma das duas formas sugere um falseamento da realidade, apenas são formas diferentes de se interpretar uma realidade, e que passam pelas limitações do aparelho, intenções e decisões do fotógrafo.
Em todo caso, ser uma fotografia não obriga qualquer imagem a ter um compromisso sólido com a realidade. Ao ver uma fotografia, precisamos estar sempre cientes de que existe um percurso feito desde a sua captação até ser disponibilizada ao público.
Logo, editar não é falsear a realidade, porque nenhuma fotografia deve ser lida como uma cópia absoluta do mundo.
“A fotografia fala, ao mesmo tempo, do fotografado e de como ele é fotografado. Mas quando tenho uma fotografia sua, não é você que eu vejo, é uma fotografia. É uma transformação, e é isso que me interessa”. (WINOGRAND, 1985)
Escrito por Lili Figueiredo
Foto: Mabbom Santos
Referências:
SOULAGES, François. Estética da Fotografia – Perda e Permanência. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2010. p. 89.
FLUSSER, Vilém. A Fotografia. In: Filosofia da Caixa Preta. São paulo: Annablume, 2011. P. 57-65.
PANORAMA (Temporada 1, ep. 5). Tales by Light [Documentário]. Criação: Abraham Joffe. Austrália: National Geographic, 2015.